Esquizofrenia não tem de ser incapacitante, segundo livro de Pedro Afonso.
Há quem, na mente, esconda segredos bem guardados – uma psicose, um brilhantismo caótico ou até a simples alienação. A esquizofrenia é desordem cerebral crónica grave e destabilizadora, mas “não tem de ser incapacitante”, assegura Pedro Afonso no seu livro, recentemente publicado sob a chancela da Princípia Editora e já nas livrarias.
Trata-se de uma desorganização ampla dos processos mentais e ainda “não existem evidências de factores causadores da doença; por isso, continua a encerrar vários mistérios, nomeadamente sobre a sua origem”, segundo assinalou o médico psiquiatra em entrevista ao «Ciência Hoje», mas que foi derrubando tabus à medida que a conversa se foi desenrolando.
A obra «Esquizofrenia» contém referências bibliográficas actualizadas, de forma a responder a todas as dúvidas sobre a doença; assim como “desfazer mitos que lhe são associados e que pioram o estigma social, dificultando a reabilitação dos doentes”, explicou ainda o autor. É uma publicação que procura “conciliar o rigor técnico e científico com um forte sentido prático, para o público interessado”, sejam estes doentes, familiares ou até pessoas ligadas à área.
Para além de atender às questões mais frequentes – “Como a controlar? O que fazer perante o diagnóstico? Quais os tratamentos? Quais as causas que levaram ao seu aparecimento? Como lidar com um doente esquizofrénico?”, entre outras –, o livro ainda integra contactos de apoio e informação de todo o país e ilhas.
As funções intelectuais do afectado são perturbadas e isso pode acarretar rapidamente a alienação de tudo o que se passa à sua volta. “O fundo é o paradigma da loucura e é nesse sentido que comporta mitos intemporais”, continuou, acrescentando: “É como se o homem perdesse as suas características humanas transformando-se em algo bizarro”.
Pedro Afonso sublinhou, no entanto, que um esquizofrénico pode, de facto, levar uma vida praticamente normal, desde que medicado. Com apoio, “é possível que muitos doentes voltem a estudar e a ter uma profissão”. O autor ressalvou que existem diferentes espectros de gravidade – uns podem ser mais agressivos e evoluem nesse sentido e outros, menos graves, conseguem levar uma vida construtiva. “Sendo assim, vale a pena falar em ‘esquizofrenias’ (no plural)”, enfatizou.
Antipsicóticos e dopamina
“Tem havido um avanço a nível de antipsicóticos atípicos, com menos efeitos secundários”, disse. Na fase residual da doença, os sintomas – classificados de ‘negativos’ – são frequentemente “o isolamento, a apatia, a dificuldade em planear tarefas e um nível afectivo ‘apagado’”. Já na fase aguda – onde as manifestações são conhecidas como ‘sintomas positivos’ – surgem as alucinações, as ideias delirantes, desordens no pensamento e no movimento.
Os primeiros são mais difíceis de reconhecer e podem ser confundidos com preguiça ou depressão; assim como os 'sintomas cognitivos', que afectam a atenção, certos tipos de memória e a capacidade de cálculo – sendo estes os mais incapacitantes para levar uma vida normal.
Contudo, é um transtorno psíquico tão complexo que “surge de forma insidiosa, sem que o próprio se aperceba” e o diagnóstico é “por exclusão”. A título de exemplo, conta: “Um jovem que consuma haxixe ou cannabis pode desenvolver um quadro muito semelhante ao do esquizofrénico, mormente delírios e alucinações. Se de facto sofrer desta enfermidade, só com o tempo e a paragem do consumo é que se poderá saber se a psicose é induzida, confundindo o médico, ou se realmente evolui” – por já ter uma predisposição latente para a esquizofrenia.
Tal como muitas outras doenças mentais, acredita-se que esquizofrenia seja uma combinação de factores genéticos e ambientais. Existe tratamento (antipsicóticos e terapia psicossocial), mas não há cura e, por isso, os fármacos centram-se apenas na eliminação dos sintomas. Os medicamentos actuam na dopamina (essencialmente, devido ao excesso de dopamina na via mesolímbica e falta dela na via mesocortical) e outros neurotransmissores.
O suicídio
É uma condição psicótica que afecta 60 milhões de pessoas no mundo e já que os principais sintomas incluem: escutar vozes e acreditar que outros estão a ler e controlar os seus pensamentos ou a conspirar para prejudicá-las. Essas experiências são aterrorizantes e podem causar medo, recolhimento ou agitação extrema. Pessoas com esquizofrenia podem falar ou fazer coisas que não fazem sentido, ficarem sentadas horas sem se moverem, falar muito pouco, ou parecer perfeitamente bem até dizerem o que realmente estão a pensar.
Por todas estas razões, é uma doença com elevada prevalência de suicídios – cenário considerado como a situação limite. “O sofrimento em termos psíquicos, na sequência de alucinações (vozes que ouvem e que lhes dizem o que fazer) é demasiado angustiante”.
Exemplos conhecidos são os de Ian Kevin Curtis (Julho de 1956 - Maio de 1980), vocalista, compositor, guitarrista ocasional da banda Joy Division, assim como um dos fundadores, suicidou-se em casa aos 24 anos. Também Van Gogh (Março de 1853 - Julho de 1890), aclamado pintor holandês, considerado o pioneiro na ligação das tendências impressionistas com as aspirações modernistas e cujo talento só foi reconhecido após a sua morte, sucumbiu à doença, suicidando-se aos 37 anos.
Pedro Afonso salientou igualmente que estes doentes são inimputáveis – porque perdem o discernimento sobre a realidade e a capacidade de distinguirem o lícito do ilícito. Experienciam “uma vivência delirante de perigo iminente” e podem agredir qualquer pessoa quando se encontram “em contexto psicótico” ou sentirem que “devem andar armados para se defenderem”.
O doente e o mito
O doente e o mito
O médico psiquiatra desfaz outro dos mitos, referindo que não é uma maleita associada à genialidade ou a mentes criativas, ou seja, “é uma doença transversal que pode afectar qualquer pessoa, de todos os quadrantes sociais, raças ou capacidades intelectuais”.
Se nos lembrarmos de John Nash, matemático norte-americano retratado no filme «Uma Mente Brilhante» (A Beautiful Mind), foi professor e Prémio Nobel da Economia que apesar do desafio de conviver por toda a vida com os sintomas típicos, foi um intelectual importante e deixou grandes contribuições às áreas de economia, biologia e teoria dos jogos. Depois de 1970, à sua escolha, deixou a medicação antipsicótica. Segundo Nasar, biógrafa de Nash, este Nobel começou a desenvolver uma recuperação gradativa. Contudo, “a doença não esteve relacionada com o seu elevado nível intelectual”, como afirmou o especialista.
Apesar das várias hipóteses de explicação sobre a origem da esquizofrenia, nenhuma delas individualmente consegue dar uma resposta satisfatória. Pedro Afonso aconselha: “Em caso de dúvida, deve ser-se observado por um médico, antes que seja diagnosticada tardiamente”.
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